Sobre os primeiros dias

21:30:00





*Texto escrito dias após do abuso sexual


"Os primeiros dias estão sendo difíceis. Eu ouço meus pais chorarem todas as noites. Meu pai, que sempre foi cético e tem seus problemas com vícios, fuma constantemente quando vê meu olhar vago, sem esperança e meu corpo debilitado pelos medicamentos e pelo o sofrimento que eu deixo transparecer, fuma constantemente e chora escondido questionando o motivo de Deus ter deixado isso acontecer comigo.

Minha mãe. Minha pobre mãe. Dorme comigo todos os dias e pela primeira vez na minha vida eu a vejo fraquejar e se sentir incapaz. Logo minha mãe que sempre foi o meu porto seguro, a pessoa que me ensinou que eu poderia conquistar tudo e que o mundo não era um obstáculo mas sim algo que poderia ser meu, se eu quisesse.

O meu irmão que nunca demonstrou nenhuma preocupação comigo, me acompanha silenciosamente todas as tardes enquanto vejo qualquer besteira na televisão, seu olhar é de preocupação e desespero. Oh meu irmãozinho, eu sou sua irmã mais velha, eu quem deveria cuidar de você.

Pai e mãe, me desculpem! Me desculpem por tudo isso, eu não queria ser tão fraca, eu não queria ter passado por isso e ainda mais, não queria obriga-los a passar isso comigo. Eu queria não estar no meu corpo. Eu queria fugir.

Na noite passada, clamei a Deus para que me recolhesse para perto de si mas como ele poderia fazer isso? Eu estou tão suja, tão impura e tão indigna do seu amor. Eu estou deplorável. Eu sou miserável.

Pouco a pouco minhas esperanças vão se esvaindo, enquanto os fantasmas aumentam e me assombram dia após dia e eu tenho medo.

Me sinto sozinha.

Me sinto desamparada.

Essa folha de papel na qual escrevo parece ser meu único refugio, minha única maneira de dizer o que eu estou sentindo, a única maneira de expressar toda dor e toda angústia que invadem meu peito e me debilitam.

Eu não queria que minha família estivesse passando por isso. Eu não queria passar por isso e penso constantemente se enquanto ele ceifou a minha pureza não deveria ter ceifado também o meu sopro de vida. Seria menos dolorido. Eu não estaria presa nesse corpo imundo.

Eu tenho nojo de mim. Tenho nojo desse corpo e ainda posso sentir o seu calor em meu corpo, posso senti-lo em meu ventre, posso sentir o seu cheiro, o seu suor e ouço sua voz em meus sonhos. Deus, eu te clamo, tira esse fardo de minhas costas. Oh, meu Pai, remove essas lembranças da minha mente, apaga esse cheiro da minha memória. Pai, liberta-me desse corpo e dessa prisão.

Eu me sinto culpada, eu podia ter gritado mais, fugido, não ter tido medo, me disseram isso, que eu poderia ter evitado mas eu fui fraca como estou sendo fraca agora escrevendo esse texto.

Todos os dias tem sido horríveis e cada dia eu me sinto mais sozinha. Será que um dia vai melhorar?"

Março/2016

V.A.O.

Você também pode gostar

2 comentários

  1. Diante de um texto como esse mesmo sendo um Pastor fico sem palavras, diante de tamanha dor e sofrimento me resta clamar a Deus por ti pra que seja seu porto seguro, sua força é seu protetor que ele traga o alívio sobre essa jovem sobre sua família e que possas voltar a sonhar DEUS Abençoe..

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Amém, Pr Valdomiro. Fico grata por suas palavras.
      Bem, é essa a motivação do projeto: alertar a igreja sobre essa realidade que, infelizmente, está dentro de nossas igrejas e é mascarada e escondida por pessoas que passaram pela mesma situação que eu, infelizmente, passei.
      Deus me restaurou sim e tem restaurado minha família. Ele tem sido presente e cuidado de nossas dores... De qualquer forma, reforço o convite para que conheça o projeto e para que leve essa discussão para a sua comunidade. Talvez muito dos seus sofram com essa infeliz realidade...

      Deus te abençoe.
      Graça e paz.

      Excluir

Publicações Populares

Curta Nossa Página

Instagram